Em meio à s discussões sobre o impacto do contato humano para nossa saúde, surge a necessidade de explorar cientificamente os benefÃcios do toque. Um estudo recente publicado na Nature Human Behaviour se dedicou a investigar profundamente esses efeitos, reunindo dados de mais de 12 mil participantes por meio de revisão sistemática e análise multivariada.
A relevância desse tema ganha destaque especialmente diante da pandemia de Covid-19, que exacerbou problemas de saúde mental devido ao distanciamento social e à falta de interações interpessoais. Julian Packheiser, pesquisador da Universidade de Ruhr, na Alemanha, observou que o toque, quando consentido e aplicado em adultos e crianças, pode reduzir sintomas de depressão, ansiedade e dor. No caso de recém-nascidos, o contato fÃsico, especialmente quando realizado pelos pais, não só promove o ganho de peso como também é crucial para um desenvolvimento saudável.
A pesquisa destacou que sessões regulares de toque, como quatro sessões de 20 minutos, melhoram significativamente a saúde fÃsica e emocional. Aumentar a frequência dessas sessões proporciona benefÃcios adicionais, enquanto a prolongação excessiva não demonstrou resultados positivos. É interessante notar que o toque humano supera estÃmulos promovidos por objetos ou robôs, mostrando-se mais eficaz para a saúde mental.
Além disso, a natureza do toque não parece ser tão crucial quanto a sua simples presença: massagens especÃficas, carÃcias ou toques leves proporcionam benefÃcios semelhantes. Em um mundo cada vez mais digital e voltado para as redes sociais, compreender esses aspectos torna-se essencial para promover um equilÃbrio saudável entre tecnologia e interações humanas.
À medida que avançamos no entendimento dos impactos do contato social e do toque, a aplicação desses conhecimentos pode transformar não apenas a saúde individual, mas também as polÃticas públicas e práticas de cuidado.
Compreender e promover interações fÃsicas saudáveis pode ser uma chave fundamental para enfrentar desafios contemporâneos de saúde mental e emocional.
Para ampliar essa compreensão, conduzi um diálogo com o Dr. René Gleizer, médico neurologista especialista em neurologia da cognição e do comportamento pelo Hospital das ClÃnicas da USP, buscando insights adicionais sobre o assunto.
ICL NotÃcias: Dr. René, como seria possÃvel explicar neurologicamente os resultados obtidos pelo estudo?
Dr. René Gleizer: O toque estimula os receptores presentes na pele que informam o cérebro e este quando interpreta como um estÃmulo prazeroso estimula o processamento desta emoção em uma área especÃfica do encéfalo chamada de sistema lÃmbico. Este sistema composto pelo giro do cÃngulo e giro parahimpocampal interagem com a amÃgdala que estimula regiões especÃficas do hipocampo. O hipocampo coordena o padrão de resposta fisiológica e hormonal consequente ao toque agradável, reduzindo os nÃveis sanguÃneos de cortisol (hormônio do estresse), ativa o sistema parassimpático (reduz a frequência cardÃaca e a pressão arterial) e aumenta a produção de ocitocina (hormônio que promove contração uterina no parto e estimula a amamentação, sendo interpretado como relacionado ao amor, bem-estar e união).
Existe algum grupo de pessoas que teriam maior proveito para saúde com o toque. Se sim, quais e por quê?
Em relação ao toque aplicado em pessoas saudáveis ou doentes houve benefÃcio do para ambos, porém foi maior na saúde mental nos adultos doentes em relação aos saudáveis, principalmente naqueles com doenças neurológicas do que em outras condições clÃnicas. IndivÃduos doentes (principalmente doença crônica/neurológica) estão em maior risco de isolamento, solidão e falta de constato fÃsico. Consequentemente sofrem mais de depressão e ansiedade. Assim, este grupo teria maior necessidade de contato fÃsico e consequentemente alcançaria mais resultados para a saúde.
O que este estudo poderia mudar na prática diária dos profissionais da saúde que lidam com pacientes doentes e teoricamente mais necessitados do contato fÃsico? Você percebe algum resultado desta prática na sua rotina como neurologista?
Os profissionais da área da saúde, principalmente dentro dos hospitais, têm sido sobrecarregados com o número crescente de pacientes e os cuidados assistenciais diretos na beira do leito Somado a isto vem aumentando as demandas burocráticas de protocolos e relatórios intermináveis na frente do computador.
Embora, um dos resultados intrigantes do artigo, informa que o toque quando realizado em adultos e crianças, até mesmo por pessoas fora do convÃvio social habitual, como profissionais da área da saúde, tem efeito similar com ótimos resultados. O que reforça que aplicação do toque permitido, realizado de forma rotineira e sistemática deve ser estimulado entre os profissionais da área da saúde para melhorar o bem-estar da população.
Existiria algum cuidado ou precaução em relação ao toque e a forma que deveria ser aplicado?
Sim. O nÃvel de prazer e bem-estar associado ao toque é modulado por vários parâmetros, incluindo aceitabilidade cultural, contexto onde e quando o toque é aplicado ou a real necessidade do estimulo. Toque na cabeça, como massagem na face ou no coro cabeludo são especialmente benéficos para saúde fÃsica, comparado com braço e tronco. Provavelmente devido ao número de terminações nervosas nestes locais e maior área de representação no córtex cerebral destas partes do corpo. Quando aplicado de forma unidirecional foi mais benéfico para a saúde mental.
Porém, deve ser lembrado que o toque inoportuno pode ser considerado invasivo e um fator estressor, apresentando o efeito oposto ao desejado.
Por Gustavo Cabral, no portal ICLÂ