Especialistas criticam parceria público-privada e lembram que medida também é uma conquista da luta antimanicomial
A primeira residência terapêutica destinada ao acolhimento de adultos com transtornos mentais graves e persistentes foi inaugurada em Brasília. De acordo com a Secretaria de Saúde (SES-DF), o abrigo, localizado no Paranoá, vai receber dez mulheres com passagens por longos períodos de internação em hospitais psiquiátricos, que não dispõem de moradia, suporte financeiro, social ou laços familiares que possibilitem outra forma de reinserção social.
Segundo o Governo do Distrito Federal (GDF), a iniciativa, lançada na última quarta-feira (10), visa promover gradualmente a autonomia dos indivíduos nas atividades cotidianas, respeitando os direitos dos usuários como cidadãos. Este projeto faz parte da estratégia de desinstitucionalização da Rede de Atenção Psicossocial pública (RAPS), complementando a rede extra-hospitalar e substituindo as internações de longa duração no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
A inauguração ocorre mais de um ano após o governo ter anunciado as vagas para esse tipo de tratamento. Em junho de 2023, a Secretaria havia publicado a promessa de que “a rede pública de saúde do Distrito Federal passará a contar, ainda neste ano, com residências terapêuticas para o acolhimento de até 100 pacientes com transtornos mentais graves”. A gestão das residências será por meio de uma parceria público-privada assinada pela SES-DF e a empresa Multifisio Domiciliar Ltda.
A SES-DF afirma que a expectativa, agora, é introduzir as pacientes já na próxima semana. A previsão é entregar, também, nos próximos dias, uma segunda unidade de mesma capacidade dedicada ao acolhimento de pacientes do sexo masculino. A meta da pasta é chegar a 100 pessoas acolhidas em diferentes espaços e localidades.
As residências terapêuticas têm, praticamente, a mesma estrutura de uma casa tradicional, com três quartos, três banheiros, sala, cozinha, jardim, quintal e até uma churrasqueira. O objetivo dessa estrutura é proporcionar uma rotina cotidiana aos moradores, promovendo autonomia e facilitando a reinserção social.
O ideal é que, desta forma, os residentes continuem recebendo atendimento regular em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e terão acesso às demais unidades de saúde. A casa conta também com uma equipe de apoio disponível 24 horas, composta por enfermeiro, técnico de enfermagem, cuidador, cozinheiro e profissional de serviços gerais, garantindo um suporte integral aos moradores.
Avanço da luta antimanicomial
Para Rubens Bias, membro do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e conselheiro de Saúde do DF, as residências terapêuticas representam um avanço na política de saúde mental do GDF, principalmente, considerando que será a primeira desse tipo com tanta demanda. "É comum o GDF sempre atualizar as políticas públicas em saúde com muito atraso”, lembra Rubens.
O professor do Departamento de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do coletivo Saúde Mental e Militância, Pedro Costa, considera que as residências terapêuticas são uma boa medida de ação do GDF. Ele destaca, contudo, que essa também é uma conquista da luta antimanicomial e do movimento pela reforma psiquiátrica, envolvendo usuários de assistência à saúde mental, familiares, trabalhadores e trabalhadoras do campo da saúde mental que historicamente lutam pelo fortalecimento das políticas assistenciais e da rede de atenção psicossocial.
Pedro explica que, nesta medida, a autonomia do paciente e cuidado com a própria vida, o que é o ideal para qualquer processo assistencial de cuidado em saúde mental. “O Estado se compromete com o alojamento dos pacientes, por isso são chamadas de residências. Essas pessoas moram nessas casas e têm todo o suporte assistencial e técnico. Todo esse processo também ocorre em liberdade, entendendo que a liberdade é terapêutica. Essas pessoas moram nessas casas, mas não são casas manicomiais. Elas têm trânsito livre, vinculação e socialização comunitária", diz o professor da UnB.
Ele ainda explica que a inauguração se deve ao fato das residências terapêuticas serem fundamentais. "Elas compõem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), no nível de desinstitucionalização. São voltadas para pessoas que foram cronificadas nos manicômios, nas instituições asilares manicomiais, e que tiveram um amplo processo de violação dos seus direitos, redução da sua autonomia, e quebra de vínculos e laços”.
Pedro acrescenta que, apesar do avanço, a forma de gestão elaborada pelo GDF é problemática. Ele argumenta que as residências deveriam ser necessariamente serviços públicos, mesmo que, no caso do Distrito Federal, sejam geridas pelo terceiro setor através de parcerias público-privadas ou por uma empresa de Home Care.
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