Agenda da 77ª Assembleia Geral inclui discussões que podem impactar reformas da Constituição da entidade e do RSI
Em um contexto global delicado e sob a pressão decorrente da sua atuação na pandemia da Covid-19 e dos novos desafios globais à saúde pública, a Organização Mundial da Saúde (OMS) realizará em Genebra, entre os dias 27 de maio e 1º de junho, a sua 77ª Assembleia Geral de Saúde (WHA).
Para que a OMS possa enfrentar as emergências internacionais de saúde pública que se avizinham face às mudanças climáticas e o fluxo cada vez mais acelerado de bens, produtos e serviços, as autoridades máximas dos sistemas de saúde dos 193 países que fazem parte da OMS discutirão ações específicas e as reformas necessárias de serem feitas tanto na Constituição da OMS quanto no Regulamento Sanitário Internacional (RSI).
As discussões sobre preparo e respostas às emergências de saúde pública estão pautadas e ocuparão uma boa parte da agenda de discussões da Assembleia. Estão na agenda da 77ª WHA os seguintes pontos:
i) a apresentação do relatório do Comitê Consultivo e de Supervisão Independente para as Emergências Sanitárias da OMS;
ii) debates sobre a Implementação do Regulamento Sanitário Internacional (2005);
iii) apresentação de relatório do Grupo de Trabalho sobre Emendas ao Regulamento Sanitário Internacional (2005);
iv) apresentação de relatório do órgão de negociação intergovernamental para redigir e negociar uma convenção e acordo da OMS ou outro instrumento internacional sobre prevenção, preparação e resposta a pandemias.
As atenções estão voltadas para ver se os debates irão produzir os necessários consensos e deliberações relevantes para a aprovação de novos arranjos na governança global das emergências internacionais e nacionais de saúde pública. A pandemia da Covid-19 e as atuais emergências internacionais e nacionais de saúde pública verificadas ao redor do mundo são testemunhas vivas da necessidade de um movimento mais resolutivo da OMS no sentido de aperfeiçoar seus instrumentos de ação e alguns mecanismos do RSI.
Dentre os pontos previstos para a Agenda, destaco a apresentação dos resultados do trabalho do Comitê Consultivo e de Supervisão Independente (CCSI-OMS) do Programa da OMS para Emergências de Saúde (PES-OMS). Este comitê foi criado em 2016 com o mandato de assessorar o trabalho da OMS em emergências sanitárias e de prestar aconselhamento sobre o assunto ao diretor-geral. Nos últimos oito anos, o programa demonstrou a sua capacidade de gerir emergências de saúde globais e afirmou a posição de liderança da OMS em situações agudas e de crises prolongadas, mas também mostrou desafios e fragilidades que precisam ser enfrentadas.
O CCSI-OMS observou o aumento constante na procura de operações da OMS ao longo dos últimos oito anos e está preocupado com o fato de a procura poder aumentar ainda mais face às mudanças climáticas, aos conflitos e agitações civis, aos desastres naturais e aos fluxos populacionais, bem como às ameaças crescentes de novos patogénicos, novos surtos pandémicos e ao número crescente de doenças graves.
Como tema subjacente ao seu décimo segundo relatório, a ser apresentado na 77ª WHA, o comitê analisou o trabalho da OMS em situações de emergência, adotando uma abordagem mais holística à resposta às emergências sanitárias, preparação e resiliência, tendo em mente a importância crítica de os países construírem as suas próprias capacidades de acordo com o Regulamento Sanitário Internacional (2005).
As capacidades nacionais para respostas às emergências de saúde pública são elementos-chave para uma governança global do preparo, resposta e resiliência às emergências, razão pela qual o comitê avaliou em seu relatório de que forma os Estados-Membros poderiam contribuir melhor, no âmbito da arquitetura mundial de emergência sanitária, para reforçar a segurança sanitária mundial.
Durante o ano de 2023, a OMS forneceu apoio para diversos países que lidam com emergências de saúde. De 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2023, a OMS respondeu um total de 72 emergências. Isso incluiu emergências decorrentes de terremotos na Turquia e na Síria e no conflito e na insegurança na República Democrática do Congo, Etiópia, Haiti, Mianmar, Somália, Sudão, Ucrânia e território palestino ocupado, incluindo Jerusalém Oriental. O comitê também relata as respostas lideradas pela OMS ao surto global de Mpox (varíola dos macacos), ao Sudão, à doenças virais em Uganda e na Guiné Equatorial, à cólera multirregional e aos surtos de dengue disseminados em diversas regiões do globo.
O PES-OMS também apoiou os países no acesso a vacinas e tratamentos para resposta à meningite e à febre amarela. Em maio de 2023, o diretor-geral declarou o fim das Emergências Internacionais do coronavírus (Covid-19) e da Mpox. No entanto, relata o comitê, ambos eventos continuam a ser ameaças globais.
A mensagem que fica evidente é a de que, sem que os países tenham a capacidade aumentada, o Programa de Emergências de Saúde Pública da OMS, que deveria ser um bem global universal, será obrigado a reduzir de forma crítica sua capacidade de atuação para as emergências globais. Nesse sentido, o relatório aponta para a necessidade da OMS formalize suas parcerias com países em situações de emergência e, sempre que possível, desenvolva lideranças nacionais de preparo e resposta às emergências, bem como incentive o incremento progressivo das capacidades nacionais.
Vale ainda ressaltar um último ponto bastante preocupante que consta do relatório do CCSI-OMS: em 2023, o sistema de vigilância de ataques aos cuidados de saúde da OMS registrou 1.486 ataques em todo o mundo, distribuídos em 19 países/territórios, causando 745 mortes e 1.239 feridos. O território palestino ocupado relatou o maior número de mortes (620) e lesões (964) entre profissionais de saúde desde que o sistema lançado em 2018.
O comitê lamenta os ataques relatados a instalações e pessoal de saúde e a perda concomitante de vidas humanas, além dos ferimentos resultantes dos ataques. Relata especial gravidade aos ataques ocorridos nos seguintes países: Afeganistão, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Israel-Gaza, Mianmar, o Sudão, a República Árabe Síria ou a Ucrânia. O comitê recorda aos países a sua obrigação de respeitar o direito humanitário internacional, e insta à responsabilização pelas falhas na proteção do pessoal e das instalações de saúde, conforme exigido nos termos lei humanitária internacional.
Como conclusão, o relatório faz recomendações, que serão discutidas e deliberadas na 77ª WHA:
1. Detecção e resposta a ameaças agudas à saúde pública e emergências classificadas: sérias preocupações com a propagação contínua da dengue e da cólera em diferentes regiões, recomenda que a OMS complete o mapeamento de riscos com urgência, intensifique os seus esforços para resolver a escassez global de vacinas orais contra a cólera e mobilize recursos.
2. O papel da OMS nas crises humanitárias: reconhece o crescente papel de liderança da OMS nas crises humanitárias e recomenda aumentar as capacidades nacionais de respostas. Condena os ataques relatados às instalações e ao pessoal de saúde e insta todas as partes a defenderem o direito humanitário internacional e a garantirem o acesso humanitário. Reconhece a necessidade de desenvolver orientações sobre a implementação da Resposta de Emergência nos países.
3. Prontidão do país e preparação para emergências: enfatiza que o monitoramento deve basear-se nos sistemas e ferramentas de relatórios existentes, que deverão ser simplificados para evitar duplicações e sobrecarga administrativa dos Estados-Membros.
4. Programa para Emergências de Saúde Pública da OMS: recomenda que o secretariado conduza uma revisão funcional conjunta do PES-OMS, sob a coordenação do diretor-geral.
5. Recursos Humanos: recomenda que se considere o fornecimento de formação em operações de emergência a todos os representantes da OMS nos países e ao pessoal das representações nos países.
6. Financiamento: insta os Estados-Membros a honrarem o seu compromisso de promover uma maior flexibilidade e sustentabilidade no financiamento, enfatizando a importância crítica do financiamento previsível e flexível para o PES-OMS.
7. O papel da OMS na arquitetura global de preparação, resposta e resiliência às emergências de saúde pública: recomenda que a governança da arquitetura mundial da saúde deve estar ancorada na OMS, com base em equidade e solidariedade, que são imperativas para a prevenção e resposta às pandemias. Embora reconhecendo o rápido progresso do Fundo para a Pandemia, o comitê observa que o seu atual tamanho e escopo colocam-no como uma fonte de financiamento importante, mas limitada, com várias questões-chave relacionadas com o financiamento das principais capacidades de respostas às emergências de saúde pública ainda por resolver.
A 77ª WHA será estratégica para o andamento das negociações referentes às necessárias reformas da Constituição da OMS e do Regulamento Sanitário Internacional. Espera-se que os debates sejam produtivos e capazes de encontrar soluções que aumentem os poderes e as capacidades da OMS para a proteção do direito universal à saúde. A conferir.
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